Uma pequena frase: “Ninguém sabe o que está acontecendo”. Desde o momento em que começaram os protestos na cidade de São Paulo muitos “iluminados” tiveram que reconhecer a sua própria ignorância política. De repente havia gente na rua protestando contra o aumento das tarifas no transporte público. Até aqui as coisas faziam sentido. Mas só até aqui. Os desdobramentos da situação não estavam em nenhum manual. Ora, a política não é o terreno da contingência?
Esta aparente surpresa é sintomática, revela algo que todos deveriam reconhecer: no Brasil há, mesmo entre os chamados intelectuais, um déficit do que poderíamos denominar “cultura política”. Os motivos deveriam ser estudados em profundidade, mas tomemos uma regularidade do fenômeno político na história brasileira.
As mudanças profundas na sociedade brasileira quase nunca contaram com a participação das ditas massas. Sempre se acomodaram as coisas a desde cima. Em outros países isto correu de maneira distinta. Houve, para utilizar uma expressão de Renzo De Felice, a “nacionalização das massas”, ou seja, a integração da grande maioria da população em correntes políticas bem definidas, como por exemplo no caso do peronismo na Argentina. No Brasil isto nunca aconteceu de maneira ostensiva, embora não tenham faltado tentativas. Pouca gente sabe mas o primeiro partido de massas no Brasil foi a AIB de Plínio Salgado. Vargas e a elite política da época simplesmente eliminaram o integralismo da cena política brasileira, e as coisas voltaram a ser decididas num gabinete qualquer, mas não na rua e com a participação popular. O trabalhismo de Vargas tampouco conseguiu se encarnar de maneira coerente entre as massas. As tentativas de reivindicar a herança do legado de Vargas sempre foram pífias. Mas os exemplos históricos param por aqui. Não é o nosso foco principal. No entanto fica a lição de que as demonstrações populares sempre causam espanto no Brasil.
Voltemos à atualidade. Antes das últimas eleições municipais todos os candidatos sabiam que a tarifa dos transportes teria que ser reajustada. Kassab apenas deixou o problema para a próxima administração, fazendo o cálculo político de que isso mancharia a imagem do seu novo partido. O candidato vencedor, o excelentíssimo Dr. Fernando Haddad, durante a sua campanha, tinha prometido até mesmo reduzir as tarifas dos transportes. Surgiu o impasse mas… como resolvê-lo? Todos sabemos que o único partido político no Brasil que possui base social é o PT. Pois bem. Por meio dos ditos movimentos sociais, pode-se trabalhar com esta hipótese, o PT decidiu utilizar a sua ala mais combativa, a do movimento estudantil. Embora seja governo, TODAS as frações que compõem o movimento estudantil gravitam em torno do PT. PSOL, PSTU e PCO sempre estão unidos quando se vislumbra a ameaça da “reação”. Isto é um posicionamento clássico da esquerda, sempre apoiar o que se considera mais progressista, embora nunca se é progressista o bastante para os mais radicais.
Retomando a exposição da nossa tese, foi o PT que colocou uma parte da sua base social na rua com o intuito de desgastar o PSDB paulista, que afinal de contas é a força política responsável pela “repressão”, na rua, do movimento pela redução das tarifas. O cálculo petista: pressionamos na rua, haverá repressão, articularemos a redução da tarifa porque o povo assim o quer e, de quebra, daremos um golpe mortal no governo tucano do Estado que, representado por Alckmin, será obrigado a reprimir os excessos dos protestos.
As coisas não saíram como o PT queria. O movimento tomou outra caráter, catalisou um certo descontentamento da população urbana em relação ao governo petista no poder há uma década. Isto explica a perplexidade da esquerda diante da não obediência do “povo” que gritou, na rua, “fora todos os partidos políticos”. A esquerda já começou a falar em “infiltração” da “direita” nos protestos, infiltração essa que obviamente não existe.
Uma certa direita também está perdida diante do que está acontecendo. Ela pede por repressão e diz que tudo não passa de uma “revolução petista dentro da revolução petista”. O problema dessa dita direita é a sua atitude no melhor estilo torre de marfim. Liberais, libertários, neoconservadores a la americana, nunca foram muito afeitos ao “povo”. Simplesmente não sabem como catalisar os protestos. Mas há uma explicação para esta atitude um tanto quanto “ingênua”. Todos sabemos que a hegemonia cultural está há muito tempo nas mãos da esquerda. Para quebra-la é preciso um trabalho de, pelo menos, uma geração. O PT não será derrotado senão por meio de uma oposição, primeiro, no campo das ideias, e depois na possível tradução disto em termos políticos concretos. Detalhe: no Brasil não há oposição, há apenas pessoas que se opõem ao projeto petista de poder.
Agora, um breve comentário sobre a natureza dos revoltosos. Todos sabemos que não é o “povo” que está nas ruas. É antes uma massa urbana de classe média, média alta, liberal, cosmopolita, que gostaria de expressar a sua indignação (sentimento burguês por excelência) contra tudo “o que está aí”. Vivemos uma certa onda deste sentimento que é planetária. E a única figura política que é capaz de catalisar a indignação dessa parcela da população, que quer viver num pais desenvolvido, é a ex-senadora Marina Silva. De todas as forças políticas existentes no Brasil, esta é a mais perigosa. Marina Silva representa o que ela chama de “novo jeito de fazer política”. O que é isto? Em linhas gerais, a ex-senadora ergue as bandeiras do mundialismo, do liberalismo de esquerda, do ecologismo apátrida, das minorias criativas que buscam os seus “direitos individuais” (sic), ou seja, o casamento gay, o abortismo, e o culto a uma suposta unidade dos seres humanos. Lembram-se do famigerado slogan “agir localmente pensando globalmente”? E quem são os apoiadores da khmer-verde? Banqueiros, grandes empresários, profissionais liberais, intelectuais oriundos da esquerda tradicional. O lixo do lixo. Marina Silva é perigosa, pois representa interesses estrangeiros desejosos de enfraquecer os estados nacionais em nome de um governo mundial de auto proclamados iluminados.
Por último, algumas considerações sobre o que poderá ocorrer. Talvez os protestos continuem e passem a criar uma verdadeira crise política. Os grupos mais variados desejariam isto. Na atual conjuntura há uma espécie de empate. Uma regularidade do fenômeno político é que as forças que costumam desempatar o jogo são as que detém o poder de coerção, ou seja, em última instância, o poder sobre a vida e a morte. Uma força que sempre atuou em tempos de crise no Brasil se identifica nas Forças Armadas. Mas até mesmo elas estão desmoralizadas. O PT ainda leva a melhor.
Andrés Eugui, São Paulo, 20 de junho de 2013.
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